PGR – demarcação da Raposa Serra do Sol é regular

 
Vice-procurador diz que o risco à soberania nacional, se houver, tem de ser eliminado sem sacrificar o direito dos índios.
 

A
demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é plenamente regular.
A opinião é do vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que
fez um parecer (PET 3388), aprovado pelo procurador-geral da República,
Antonio Fernando Souza, para responder a uma ação popular ajuizada pelo
senador Augusto Botelho (PT-RR). O senador pediu, liminarmente, a
suspensão de portaria do Ministério da Justiça, homologada por decreto
do presidente da República, que estabeleceu a demarcação, e, em
definitivo, a decretação da nulidade dos atos. O pedido de liminar já
foi negado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).




Roberto Gurgel concluiu que todas as fases que resultaram na demarcação
e homologação da Raposa Serra do Sol respeitaram os procedimentos
exigidos pela legislação e seguiram consistente estudo antropológico.
Além disso, o vice-procurador afirmou que se a demarcação causar risco
à soberania nacional, este tem de ser eliminado por outros mecanismos,
sem sacrifício do direito dos povos índigenas.




O vice-procurador-geral destacou no parecer que a demarcação da Raposa
Serra do Sol obedece à legislação que trata do assunto, os Decretos nº
22/91 e 1.775/96, que exigem as seguintes fases: estudo
multidisciplinar conduzido por antropólogo; designação de grupo técnico
especializado com a finalidade de realizar estudos complementares;
encaminhamento do resultado do trabalho ao presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai), que o publicará, se aprovado, no Diário
Oficial da União e no estado onde se localizar a área demarcada;
abertura de prazo para impugnações, desde o início do procedimento
demarcatório até 90 dias após a publicação; e remessa do processo ao
ministro da Justiça, que poderá declarar, por portaria, os limites da
terra indígena, indicar as diligências que julgar necessárias ou
desaprovar a identificação.




Para o vice-procurador-geral, a Constituição Federal de 1988 reconhece
a necessidade e aspiração dos povos indígenas de assumir o controle de
suas próprias instituições e formas de vida e manter e fortalecer a sua
cultura. Ele completa que a posse a ser garantida aos indígenas “há de
ser aquela voltada ao seu sustento e indispensável à preservação de sua
identidade cultural, devendo abranger todo o espaço físico necessário
para tanto”.




Posse das terras – Roberto Gurgel cita estudo feito
pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal,
que trata dos temas relativos aos índios e outras minorias: “A
nacionalidade brasileira se forma a partir de grupos étnicos
diferenciados, grupos com histórias e tradições diversas, cabendo ao
Estado protegê-los e garantir espaço e permanência para essa
diferenciação”. Por essa razão, citando o professor José Afonso da
Silva, o vice-procurador diz que a posse indígena é diferente da posse
estipulada pelo direito civil, para o qual importa somente o espaço de
fato ocupado e explorado. “A posse das terras indígenas extrapola da
órbita puramente privada, porque não é e nunca foi simples ocupação da
terra para explorá-la, mas base de seu habitat, no sentido ecológico da
interação do conjunto de elementos naturais e culturais que propiciam o
desenvolvimento equilibrado da vida humana’.




Gurgel explica que a posse indígena deve prevalecer sobre qualquer
outra, “porque é essencial ao exercício da identidade do grupo, cabendo
à União protegê-la e fazer respeitar todos os seus bens, assegurando-se
ainda aos índios o usufruto exclusivo das riquezas ali existentes. A
proteção, nesse nível, é efetivada por meio do ato demarcatório de
competência do ministro da Justiça, que será homologado, em seguida,
por decreto do presidente da República”. Gurgel menciona, também, que o
direito dos índios à posse das terras é muito anterior a de qualquer
outro grupo, “sendo oportuno advertir que a demarcação de terra
indígena é mero reconhecimento do que há muito está garantido”.




O vice-procurador-geral aponta que as demarcações de terras indígenas
em faixa de fronteira são feitas há muito tempo. Ele cita como exemplo
a área dos índios yanomami, “toda ela em faixa de fronteira, em
território de dez milhões de hectares, objeto de portaria declaratória
firmada, no início da década de 90, pelo então ministro da Justiça
Jarbas Passarinho”. Gurgel cita, ainda, que o atual ministro da Defesa,
Nelson Jobim, chegou a fazer um despacho, em 1996, sobre a demarcação
da Raposa Serra do Sol, quando, “na condição de ministro da Justiça,
afirmou que a localização de áreas indígenas em faixa de fronteira não
inviabiliza o seu reconhecimento como tal”.




Sobre a defesa das fronteiras, feita por meio do Projeto Calha Norte,
Gurgel responde que ela é de ocupação humana. “Se a demarcação de áreas
indígenas é vista como ameaça às nossas fronteiras, das duas, uma: ou
se recusa aos índios a condição de humanos, ou se tem por incapazes
para os fins daquele projeto, conclusões, no mínimo, inadequadas”. O
vice-procurador complementa que o território reconhecido como índigena,
por ser bem da União, coforme previsto no artigo 20, inciso XI, da
Constituição Federal, faz parte do território nacional. Por isso, as
autoridades responsáveis pela segurança nacional podem atuar no
interior da área demarcada, o que é permitido pelo Decreto nº
4.412/2002. Além disso, argumenta, verificada a inexistência de
proibição à demarcação de terra indígena em faixa de fronteira, não há
justificativa para a manifestão do Conselho de Defesa Nacional, posição
confirmada pelo Plenário do STF, ao julgar um mandado de segurança: “A
manifestação do Conselho de Defesa Nacional não é requisito de validade
da demarcação de terras indígenas, mesmo daquelas situadas em região de
fronteiras”.




Fiscalização – Roberto Gurgel observa que se houver
risco de abalo à soberania nacional, este tem que ser eliminado “se for
o caso, por mecanismos outros de proteção, sem sacrifício do direito
dos povos indígenas”. O mesmo raciocínio, segue o vice-procurador,
aplica-se à questão da possibilidade de pressões externas crescentes na
área, rica em recursos naturais, e de desvio de finalidade de
organizações não-governamentais que lá atuam. “É preciso fiscalizá-las
de forma ativa e com maior firmeza e constância, sem dúvida, o que não
elide, todavia, a necessidade de demarcação e o direito dos povos
indígenas”.




Gurgel conclui o parecer dizendo que não há ofensa ao equilíbrio
federativo e à autonomia de Roraima, pois a área indígena Raposa Serra
do Sol “representa pouco mais de 7% do território daquele estado, que,
desde a sua criação, conta com a presença de numerosos grupos
indígenas, sendo a população em questão ali residente a terceira maior
do país, só perdendo para aquelas localizadas nos estados do Amazonas e
Mato Grosso. A existência de tal população, aliás, terá sido um dos
fatores determinantes da criação do novo estado”.




O parecer foi enviado ao STF, onde será analisado pelo ministro Carlos Britto, relator da petição.




Confira aqui a íntegra do parecer.

 

Publicado dia 29/4/2008 em http://noticias.pgr.mpf.gov.br/

 

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