Raposa Serra do Sol: Britto rebate críticas a seu voto


O relator da ação que contesta no Supremo Tribunal Federal (STF) a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol (RR), ministro Carlos Ayres Britto, rebateu hoje as críticas feitas reservadamente por colegas ao seu voto, lido na sessão de quarta-feira do STF. Ministros afirmaram que Britto tratou
determinadas questões de forma superficial, um deles classificou o voto do relator de "romântico". "Se algum ministro tachou o meu voto de superficial é porque o leu superficialmente", respondeu Britto.

Britto acrescentou que, ao contrário dessas avaliações, recebeu o apoio de juristas renomados após a sessão. "Não é como pensam Paulo Brossard, Celso Antônio Bandeira de Mello, Dalmo Dallari, Weida Zancaner, Samuel Rodrigues Barbosa, Marcelo Leite, entre outros", afirmou. Britto votou por manter a demarcação contínua da terra indígena, exatamente nos moldes determinados pelo governo, e defendeu a retirada imediata dos arrozeiros instalados na região.

Logo depois do voto, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito pediu vista do processo. Ainda não há data definida para a retomada do julgamento. Porém, ao menos quatro ministros revelaram que pretendem fazer ressalvas à demarcação quando o
julgamento for retomado. A preocupação principal desses ministros é com a soberania nacional. Eles argumentam que a reserva na fronteira com a Venezuela e a Guiana podem atrapalhar o trabalho das Forças Armadas e colocar em risco a segurança da região.

 

Notícia publicada no G1, a 29 de outubro de 2008.

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ATO CONTRA A REVISÃO DA TIRSS

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PGR – demarcação da Raposa Serra do Sol é regular

 
Vice-procurador diz que o risco à soberania nacional, se houver, tem de ser eliminado sem sacrificar o direito dos índios.
 

A
demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é plenamente regular.
A opinião é do vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que
fez um parecer (PET 3388), aprovado pelo procurador-geral da República,
Antonio Fernando Souza, para responder a uma ação popular ajuizada pelo
senador Augusto Botelho (PT-RR). O senador pediu, liminarmente, a
suspensão de portaria do Ministério da Justiça, homologada por decreto
do presidente da República, que estabeleceu a demarcação, e, em
definitivo, a decretação da nulidade dos atos. O pedido de liminar já
foi negado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).




Roberto Gurgel concluiu que todas as fases que resultaram na demarcação
e homologação da Raposa Serra do Sol respeitaram os procedimentos
exigidos pela legislação e seguiram consistente estudo antropológico.
Além disso, o vice-procurador afirmou que se a demarcação causar risco
à soberania nacional, este tem de ser eliminado por outros mecanismos,
sem sacrifício do direito dos povos índigenas.




O vice-procurador-geral destacou no parecer que a demarcação da Raposa
Serra do Sol obedece à legislação que trata do assunto, os Decretos nº
22/91 e 1.775/96, que exigem as seguintes fases: estudo
multidisciplinar conduzido por antropólogo; designação de grupo técnico
especializado com a finalidade de realizar estudos complementares;
encaminhamento do resultado do trabalho ao presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai), que o publicará, se aprovado, no Diário
Oficial da União e no estado onde se localizar a área demarcada;
abertura de prazo para impugnações, desde o início do procedimento
demarcatório até 90 dias após a publicação; e remessa do processo ao
ministro da Justiça, que poderá declarar, por portaria, os limites da
terra indígena, indicar as diligências que julgar necessárias ou
desaprovar a identificação.




Para o vice-procurador-geral, a Constituição Federal de 1988 reconhece
a necessidade e aspiração dos povos indígenas de assumir o controle de
suas próprias instituições e formas de vida e manter e fortalecer a sua
cultura. Ele completa que a posse a ser garantida aos indígenas “há de
ser aquela voltada ao seu sustento e indispensável à preservação de sua
identidade cultural, devendo abranger todo o espaço físico necessário
para tanto”.




Posse das terras – Roberto Gurgel cita estudo feito
pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal,
que trata dos temas relativos aos índios e outras minorias: “A
nacionalidade brasileira se forma a partir de grupos étnicos
diferenciados, grupos com histórias e tradições diversas, cabendo ao
Estado protegê-los e garantir espaço e permanência para essa
diferenciação”. Por essa razão, citando o professor José Afonso da
Silva, o vice-procurador diz que a posse indígena é diferente da posse
estipulada pelo direito civil, para o qual importa somente o espaço de
fato ocupado e explorado. “A posse das terras indígenas extrapola da
órbita puramente privada, porque não é e nunca foi simples ocupação da
terra para explorá-la, mas base de seu habitat, no sentido ecológico da
interação do conjunto de elementos naturais e culturais que propiciam o
desenvolvimento equilibrado da vida humana’.




Gurgel explica que a posse indígena deve prevalecer sobre qualquer
outra, “porque é essencial ao exercício da identidade do grupo, cabendo
à União protegê-la e fazer respeitar todos os seus bens, assegurando-se
ainda aos índios o usufruto exclusivo das riquezas ali existentes. A
proteção, nesse nível, é efetivada por meio do ato demarcatório de
competência do ministro da Justiça, que será homologado, em seguida,
por decreto do presidente da República”. Gurgel menciona, também, que o
direito dos índios à posse das terras é muito anterior a de qualquer
outro grupo, “sendo oportuno advertir que a demarcação de terra
indígena é mero reconhecimento do que há muito está garantido”.




O vice-procurador-geral aponta que as demarcações de terras indígenas
em faixa de fronteira são feitas há muito tempo. Ele cita como exemplo
a área dos índios yanomami, “toda ela em faixa de fronteira, em
território de dez milhões de hectares, objeto de portaria declaratória
firmada, no início da década de 90, pelo então ministro da Justiça
Jarbas Passarinho”. Gurgel cita, ainda, que o atual ministro da Defesa,
Nelson Jobim, chegou a fazer um despacho, em 1996, sobre a demarcação
da Raposa Serra do Sol, quando, “na condição de ministro da Justiça,
afirmou que a localização de áreas indígenas em faixa de fronteira não
inviabiliza o seu reconhecimento como tal”.




Sobre a defesa das fronteiras, feita por meio do Projeto Calha Norte,
Gurgel responde que ela é de ocupação humana. “Se a demarcação de áreas
indígenas é vista como ameaça às nossas fronteiras, das duas, uma: ou
se recusa aos índios a condição de humanos, ou se tem por incapazes
para os fins daquele projeto, conclusões, no mínimo, inadequadas”. O
vice-procurador complementa que o território reconhecido como índigena,
por ser bem da União, coforme previsto no artigo 20, inciso XI, da
Constituição Federal, faz parte do território nacional. Por isso, as
autoridades responsáveis pela segurança nacional podem atuar no
interior da área demarcada, o que é permitido pelo Decreto nº
4.412/2002. Além disso, argumenta, verificada a inexistência de
proibição à demarcação de terra indígena em faixa de fronteira, não há
justificativa para a manifestão do Conselho de Defesa Nacional, posição
confirmada pelo Plenário do STF, ao julgar um mandado de segurança: “A
manifestação do Conselho de Defesa Nacional não é requisito de validade
da demarcação de terras indígenas, mesmo daquelas situadas em região de
fronteiras”.




Fiscalização – Roberto Gurgel observa que se houver
risco de abalo à soberania nacional, este tem que ser eliminado “se for
o caso, por mecanismos outros de proteção, sem sacrifício do direito
dos povos indígenas”. O mesmo raciocínio, segue o vice-procurador,
aplica-se à questão da possibilidade de pressões externas crescentes na
área, rica em recursos naturais, e de desvio de finalidade de
organizações não-governamentais que lá atuam. “É preciso fiscalizá-las
de forma ativa e com maior firmeza e constância, sem dúvida, o que não
elide, todavia, a necessidade de demarcação e o direito dos povos
indígenas”.




Gurgel conclui o parecer dizendo que não há ofensa ao equilíbrio
federativo e à autonomia de Roraima, pois a área indígena Raposa Serra
do Sol “representa pouco mais de 7% do território daquele estado, que,
desde a sua criação, conta com a presença de numerosos grupos
indígenas, sendo a população em questão ali residente a terceira maior
do país, só perdendo para aquelas localizadas nos estados do Amazonas e
Mato Grosso. A existência de tal população, aliás, terá sido um dos
fatores determinantes da criação do novo estado”.




O parecer foi enviado ao STF, onde será analisado pelo ministro Carlos Britto, relator da petição.




Confira aqui a íntegra do parecer.

 

Publicado dia 29/4/2008 em http://noticias.pgr.mpf.gov.br/

 

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Surto antiindígena*

Boris Fausto e
Carlos Fausto
 


Na última semana, certos órgãos de imprensa, ideólogos conservadores e
setores militares sofreram um verdadeiro surto antiindígena, diante da
demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que se
arrasta há três anos, desde sua homologação. Curiosamente, seis (isso
mesmo, seis!) arrozeiros que ocuparam terras públicas, reconhecidas
como indígenas, nas três últimas décadas, tornaram-se, de um dia para o
outro, vítimas de um suposto conluio, reunindo ONGs internacionais e
setores do governo. Do baú se retiraram inúmeros fantasmas – “ameaça à
soberania nacional”, “guerra étnica”, “internacionalização”, “risco ao
desenvolvimento”. E a responsabilidade por essas ameaças passou a ser,
para citar o título de um editorial do jornal O Globo, a “sandice
indígena”. Mas a sandice é exatamente de quem? O que se esconde por
trás dessas imagens de uma ameaça (pele) vermelha?

Trata-se,
é claro, de uma campanha bem orquestrada, conectando uma situação
regional ao espaço público nacional e às principais instituições da
República. Mas quais são os fatos? A Polícia Federal foi chamada a
fazer a desintrusão de uma área indígena quando já encerrado o
procedimento homologatório. Alguns poucos produtores de arroz se
armaram, com o apoio político local, para resistir, queimando pontes e
ameaçando usar táticas terroristas. Esses produtores não possuem
títulos legítimos sobre as terras que ocupam. Contudo, acatando ação
proposta pelo governo de Roraima, o Supremo Tribunal Federal (STF)
suspendeu a operação da Polícia Federal, adiando-a até o julgamento do
mérito da questão, em meio às críticas furiosas contra os direitos
indígenas.

Por que falar em direitos? Porque os povos falantes
de línguas das famílias karib e arawak que lá habitam são descendentes
de populações que chegaram à região há, possivelmente, 3 mil anos. A
partir do século 17, esses povos se viram colocados na intersecção do
colonialismo português e holandês. Objeto de disputa entre as nações
européias, sofreram ataques militares, foram escravizados, aldeados e
catequizados, mas resistiram, numa fronteira que só seria definida em
1904, quando cessou um contencioso territorial entre o Brasil e a
Inglaterra.

 
A Constituição de 1988 reconhece aos indígenas o
direito a essas terras e a regulamentação complementar define o
processo administrativo para tal reconhecimento. Isso não significa que
os índios passem a ser proprietários da área: eles têm a posse, mas não
o domínio, que pertence à União. Esse fato, aliás, foi bem ressaltado
pelo então procurador da República, Gilmar Ferreira Mendes, no âmbito
da Ação Cível Originária nº 362 (Estado de Mato Grosso versus União
Federal e Funai), em 1987.

Se as terras indígenas são parte dos
bens da União, cabe ao poder central protegê-las. O Exército ou a
Polícia Federal podem (e devem) lá entrar para garantir a segurança da
fronteira, combater atividades criminosas, enfrentar emergências
sanitárias, etc. Note-se que, no caso de Roraima, foram os arrozeiros,
e não os índios, que impediram a entrada da Polícia Federal. Por que,
então, seriam as terras indígenas, e não as grandes propriedades
privadas, que ameaçariam nossas fronteiras? E se os proprietários
fossem grupos ou corporações estrangeiras, haveria ameaça maior, como
certamente diriam os nacionalistas?

É triste constatar que se
faça tanto alarde em torno de 1,7 milhão de hectares habitados por 18
mil índios, com ocupação ininterrupta por milhares de anos, e poucos se
escandalizem com a apropriação ilegal de áreas imensas, às vezes
maiores do que essa, por um só proprietário. Boa parte dos títulos de
terra na Amazônia possui cadeias dominais duvidosas, gerando situações
de superposição e de violência. Enquanto o Estado brasileiro não
regularizar esta situação, o desenvolvimento econômico na região tende
a ser um rótulo enganoso para a depredação ambiental, a reprodução da
miséria e a usurpação do patrimônio público.

O que está em jogo
nessa polêmica não é apenas a Raposa Serra do Sol. É um princípio
constitucional que assegura a integridade física e cultural dos índios.
Transformar as áreas indígenas em “ilhas” é uma velha idéia (e um velho
sonho) conservadora. O saudoso ministro do STF Victor Nunes Leal, ao
tratar de questão similar, já alertava para os perigos, asseverando:
“Aqui não se trata do direito de propriedade comum. (…) Não está em
jogo (…) um conceito de posse, nem de domínio, no sentido civilista
dos vocábulos; trata-se do hábitat de um povo. (…) Se (a área) foi
reduzida por lei posterior, se o Estado a diminuiu de dez mil hectares,
amanhã a reduziria em outros dez, depois, mais dez, e poderia acabar
confinando os índios a um pequeno trato, até o terreiro da aldeia
(…)” (Recurso Extraordinário nº 44.585, Rel. Min. Victor Nunes Leal,
Referências da Súmula do STF, v. 25, pp. 360-61). Para evitar esse
risco, a Constituição de 1988 reconheceu aos índios o direito
originário sobre suas terras.

A defesa da diversidade étnica,
cultural e lingüística no Brasil não põe em risco a integralidade do
território nacional nem promove uma guerra étnica ou a criação de uma
suposta “nação indígena”. O que nossa Constituição garante é o direito
à diversidade, vendo nisso um elemento positivo para a construção de
uma Nação mais rica e mais generosa. Felizmente, já se vai o tempo em
que todos devíamos ser assimilados a um só modelo. Pena que alguns
continuem a flertar com uma visão de ordem-unida. Façamos votos para
que o STF tome a decisão acertada e não provoque um retrocesso em nosso
país.

 
Boris Fausto, historiador, é presidente do
conselho acadêmico do Gacint (USP) e autor, entre outros, de História
do Brasil (Edusp)

Carlos Fausto, antropólogo, é professor do Museu
Nacional (UFRJ) e autor, entre outros, de Inimigos Fiéis: História,
Guerra e Xamanismo na Amazônia (Edusp)
 
 
*texto publicado no Estado de São Paulo, 28/05/2008.
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Raposa Serra do Sol: uma elite sem argumentos*

Por Francisco Loebens – CIMI 
 

A utilização de bombas de fabricação caseira, a queima de pontes, tentados e ameaças a lideranças e comunidades indígenas pelos fazendeiros para se manterem ilegalmente na Raposa Serra do Sol, numa clara afronta ao estado democrático de direito, curiosamente não mereceu a condenação de muitos comentaristas e articulistas da grande imprensa. Pelo contrário, passaram a justificar esses atos de insubordinação, repetindo à exaustão os argumentos, completamente vazios e eivados de preconceito, de uma pequena elite de privilegiados contra a demarcação dessa terra indígena. De forma tendenciosa e através da insistência, tentaram conseguir a adesão da opinião pública para a causa mesquinha daqueles que a custa da exploração, da intimidação e da violência querem continuar se locupletando eexercendo a dominação econômica e política em Roraima.
 
Um desses argumentos é de que a demarcação de terras indígenas nas regiões de fronteira significaria um risco à soberania, porque os índios aliando-se a interesses externos poderiam dar um golpe no país, declarando a independência sobre esses territórios. Quem repete esse argumento, se não estiver usando de má fé, certamente está mal informado, porque essa hipótese não passa pelo imaginário de nenhum povo indígena, mesmo daqueles mais abandonados, onde a presença do estado é tímida ou inexistente. Também os generais sabem disso. Trata-se por isso de uma estratégia ardilosa de condenação dos índios, para confiscar-lhes suas terras. Não difere muito da forma utilizada durante o período colonial, quando, para justificar a chamada "guerra justa", se acusava os índios de praticarem delitos, toda vez que existia o interesse de avançar sobre suas terras e de buscar mão-de-obra escrava.
 
Outro argumento é de que as terras indígenas inviabilizariam o desenvolvimento do estado de Roraima. Associada a esse argumento afirma-se que o estado perderia 50% de suas terras. A pergunta óbvia que deve se fazer é de que desenvolvimento estão falando e quem se beneficia dele. É o desenvolvimento em função de 6 fazendeiros que se instalaram de má fé na Raposa Serra do Sol, a partir de 1994, quando os limites dessa terra indígena já haviam sido publicados e que tem como base o monocultivo do arroz produzido a custa do envenenamento dos rios por agrotóxicos, ou do desenvolvimento que assegura o direito originário da terra e a perspectiva de futuro de 09 povos indígenas que constituem mais da metade da população rural do estado de Roraima?
 
Que tal se os comentaristas e articulistas da grande imprensa deixassem de ser tão óbvios nas suas tentativas de respaldar ideologicamente os grandes interesses econômicos apátridas e começassem a afirmar em relação a Raposa Serra do Sol que:
 
– os povos indígenas, como sua presença é anterior à criação do Estado brasileiro, têm o direito originário às suas terras e que esse direito é reconhecido pela Constituição Federal, estando essas terras localizadas no centro ou nas fronteiras do país;
 
– as terras dos povos Macuxi, Wapixana, Ingaricó, Taurepang, Patamona da Raposa Serra do Sol foram invadidas e os índios submetidos a situação de escravos nas fazendas de gado, alvos de toda sorte de violência e discriminação.
 
– os povos indígenas de Roraima, a partir da década de 1970, iniciaram um movimento legítimo de retomada de suas terras com o apoio da Igreja Católica, somando-se a ele o apoio de outros setores da sociedade brasileira e da comunidade internacional.
 
– as autoridades do estado de Roraima sistematicamente tentaram inviabilizar a demarcação das terras indígenas e não fizeram isso somente através de discursos inflamados nas tribunas do Congresso Nacional e da Assembléia Legislativa do estado. Foram mais longe. Apoiaram a invasão dos arrozeiros, que a partir de 1994 se instalaram na área, premiando-os com a isenção de impostos e buscando respaldar seu lucrativo negócio com ações na justiça contra os direitos
indígenas, como fazem até hoje. Em 1995, criaram artificialmente o município de Uiramutã totalmente situado dentro da Raposa Serra do Sol, com sede na aldeia Uiramutã, invadida por uma currutela de garimpo. Na tentativa de consolidar esse município, os militares construíram um quartel inaugurado em 2002. Uma vez instalado o município começaram a espalhar a notícia mentirosa de que a demarcação da Raposa Serra do Sol criaria um grave problema social, pois milhares
de pessoas seriam desalojadas da sede municipal quando não passavam de 115 não-índios, na maioria funcionários municipais.
 
– 53,07% da população rural de Roraima é indígena. Segundo a contagem do IBGE de 2007 a população total de Roraima é de 395.725 pessoas, sendo que destas 88.736 (22,42%) vivem na área rural. Considerando que a população indígena no interior é de 47.091 pessoas, de acordo com os dados dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI Leste/RR e DSEI Yanomami) e do Programa Waimiri Atroari (1), chega-se a conclusão que ela soma mais da metade da população rural de Roraima.
– com base nos mesmos dados pode-se afirmar também que a terra indígena Raposa Serra do Sol, que abrange 7,79% de Roraima e onde vivem 18.992 índios em 194 comunidades, além de assegurar as condições de existência futura a 05 povos indígenas, garante terra a 21,4% população de Roraima que nela vive e trabalha.
 
Está nas mãos do STF o poder de decidir a favor ou contra os povos indígenas; a favor da maioria da população que vive da terra em Roraima ou para beneficiar 06 fazendeiros; pela manutenção de relações de dominação colonialista que persistem ao longo do tempo ou por um povo Brasil, justo e plural, onde o Estado assegura o cumprimento das leis também quando estas beneficiam os indígenas e limitam o alcance do latifúndio.
 
*Texto retirado a 24/04/08 do site http://www.ivanvalente.com.br/
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Triste Roraima*

Reserva Indígena Raposa Serra do Sol

 

"O governo estadual tomou oportunamente a situação, de modo a criar seu Dezoito Brumário paroquial."


  

Paulo Santilli e
Nádia Farage 

  
A terra
indígena Raposa/Serra do Sol, demarcada com área de 1.678.800 hectares,
constitui, conforme reza a Constituição, o
reconhecimento do Estado
brasileiro aos direitos territoriais his
tóricos dos povos indígenas que
ali habitam, bem como seu direito ao futuro
, visto serem as terras
necessárias à sua reprodução física e social.

Longe de um
recorte arbitrário, os procedimentos oficiais para a definição do
território indígena levam em conta, precisamente, os dois aspectos
acima mencionados.

De um lado, a presença histórica dos macuxi,
ingarikó, patamona, taurepáng, wapishana nos campos e serras de Roraima
é amplamente atestada pela documentação colonial, desde as primeiras
incursões portuguesas no início do século 18.

Mais do que
isso, o exame das fontes históricas demonstra fortemente que a terra
indígena Raposa/Serra do Sol, em sua extensão territorial e composição
étnica, é apenas uma fração de territórios e povos indígenas assolados
por processos de escravização, de trabalho servil e de espoliação de
terras ocorridos ao longo da colonização da região.

De outro, a
garantia de reprodução física e social repousa basicamente na garantia
de um território, que, no caso de povos indígenas, como se sabe, é mais
do que uma simples relação entre extensão de terras e densidade
populacional, constituindo, antes, espaço de investimento simbólico,
instituinte de identidade e experiência coletivas.

Por esse motivo, a legislação, sabiamente, ao definir território indígena, contempla processos sociais específicos.

 
No
caso dos povos habitantes da Raposa/Serra do Sol, há que ressaltar o
seu padrão aldeão, pelo qual as aldeias se movimentam, não só devido a
fatores econômicos e/ou ecológicos – como a necessidade de alternância
das terras cultiváveis nas ilhas de mata ciliar existentes em uma
paisagem predominantemente de campos e montanhas – mas também em razão
de uma política que, baseada no parentesco, leva à fissão e à
multiplicação de grupos locais.

A demarcação em ilha, já
tragicamente experimentada pelos wapishana ao sul da Raposa/Serra do
Sol, ao confinar aldeias entre fazendas e outras formas de ocupação e,
portanto, paralisar seu movimento espaço-temporal, não garante, por
isso mesmo, a reprodução física e social desses povos.

Excetuando-se
a tentativa de demarcação da área, feita pelo Serviço de Proteção aos
Índios em 1917 – abortada, aquela também, pelos interesses da pecuária
recém-instalada no que eram, até então, terras públicas -, a definição
atual da Raposa/Serra do Sol é resultado de sucessivos grupos de
trabalho criados pela Funai a partir de meados dos anos 70, mais
precisamente em 1977, 1979, 1984 e 1988.

Todos eles
permaneceram inconclusos, ou seja, não geraram a providência
administrativa da demarcação devido às pressões políticas de posseiros.


mais recentemente, em 1992, outros grupos de trabalho, dessa vez
interministeriais, produziram estudo aprovado pela Comissão Especial de
Análise da Funai no ano seguinte (parecer nº 036/DID/DAF, de 12 de
abril de 1993, publicado no "Diário Oficial" de União em 21 de maio do
mesmo ano).

Não obstante a sua aprovação na esfera
técnico-administrativa, a regularização fundiária da terra indígena
Raposa/ Serra do Sol foi adiada ainda pelos anos 90 afora.

Em
1996, por força do controverso decreto 1775/96 – que regulamentou o
direito ao contraditório por parte dos ocupantes de terras indígenas
afetados por atos administrativos – , os ocupantes da Raposa/Serra do
Sol fizeram, administrativamente, a defesa de seus interesses.

Curiosamente,
o maior número de contestações partiu não de ocupantes particulares,
mas do próprio governo estadual e de prefeituras -contestações que,
vale lembrar, foram todas refutadas com base em argumentos históricos,
antropológicos e jurídicos.

Ainda assim, a portaria da
demarcação só veio a ser publicada dois anos depois, em 1998 (portaria
nº 820, de 11 de dezembro de 1998).

A conjuntura criada pelo
decreto 1775/96 é importante porque, finalmente, parecia que a situação
política local adequar-se-ia à ordem legal: com efeito, segundo os
dados do CIR/Funai, em 1999, havia 207 ocupantes rurais (i.e.,
fazendeiros) e, em 2003, apenas 67; 37 deles foram indenizados pela
Funai, outros saíram após negociação direta com a associação indígena
CIR (Conselho Indígena de Roraima).

A homologação da terra
indígena, ato conclusivo no processo de seu reconhecimento oficial, não
veio, porém; enquanto tarda, a estratégia do governo estadual é a de
produzir fatos consumados, como municípios, e incentivando atividades
econômicas que, mal se iniciam, são apresentadas como panacéia, caso em
que se enquadra a atual produção de arroz, instalada, note-se, após a
demarcação, em 1998.

Os hiatos temporais -que se verificam entre
todos os atos- que acima listamos, encontram sua inteligibilidade no
cenário político mais amplo.

Roraima, Estado recente e de
baixa densidade demográfica, conta com uma bancada parlamentar
numericamente expressiva, cujos votos o governo federal não tem
dispensado em projetos controversos; desse modo, a demarcação da
Raposa/ Serra do Sol tem figurado como objeto precioso de barganha
entre as esferas federal e estadual nestas duas décadas de governo
civil.

Obviamente, as oscilações do Estado só fizeram acirrar a violência interétnica na região no mesmo período.

Seria,
portanto, enganoso supor que as desordens a que hoje assistimos – tanto
mais perplexos diante da leniência do governo e da mídia com relação a
tais fatos, pois o leitor pode muito bem imaginar a reação a bloqueios
e sequestros, fossem eles iniciativa de categorias sociais
descapitalizadas – diferem, por natureza, de outros surtos havidos,
como em 2000, quando missionários e agentes governamentais foram
atacados e outdoors foram espalhados por Boa Vista e Brasília,
exortando a violência contra órgãos do Estado.

Lá, como agora, o
governo estadual toma, oportunamente, a situação, de modo a criar seu
Dezoito Brumário paroquial, apresentando distúrbios praticados por um
pequeno grupo de arrozeiros e algumas facções indígenas como razão
suficiente para que o governo federal não cumpra seu dever
constitucional de homologar a terra indígena Raposa/Serra do Sol.

Em
2000, tal estratégia de pressão funcionou, fazendo com que o governo
FHC atirasse a homologação às calendas gregas. Para o presente, há que
parafrasear Gregório de Matos, porque a triste Roraima também está, sem
dúvida, em seu antigo estado. Pudera, é tanto negócio, tanto
negociante…

 
 

Paulo
Santilli é antropólogo, professor do Depto. de Antropologia, Política e
Filosofia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, é autor de, entre
outros livros, "Pemongon Patá: Território Macuxi, rota de conflito"
(Edunesp, 2001).

 

Nádia Farage, antropóloga, é professora do Depto. de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.


 


 

*artigo publicado no jornal "Folha de São Paulo, 12/01/07.
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Nós, os Etnocidas.


Na sexta-feira, dia 18, aconteceu no Salão Nobre da São Francisco um evento denominado “O caso Guranani Kaiowá: uma história de violação dos Direitos Humanos”. Cerca de 60 indígenas da etnia Guarani Kaiowá vieram expor o estado em que se encontram, reduzidos a reservas minúsculas, a mercê da truculência de fazendeiros e expostos a condições sub humanas de trabalho oferecidas pelas usinas (para a produção do etanol, o combustível do futuro!). Havia (muito) mais índios do que estudantes no Salão Nobre.


 


Vieram, com razão, pintados para a guerra.
O direito não está do seu lado.
 

Nossa Constituição determinou, em suas disposições transitórias, que todas as terra indígenas fossem demarcadas em 5 anos de sua promulgação. Essa disposição, que deve ter parecido utópica em 1988, hoje o é mais ainda.


 


Isso não apenas pelo Decreto nº 1.775/96 que tornou quase impossível a conclusão de um processo de demarcação, mas também por decisões como a que tomada por Nelson Jobim em 2.005, ao ocupar a presidência do STF, que suspendeu a homologação da terra TI Ñande Ru Marangatu, após impecável processo de demarcação. Um dos indígenas questionou: seria o Presidente Lula uma criança, sem autorização para fazer cumprir a Constituição?


 


A necessidade de se fazer cumprir a Constituição foi ressaltada por Dalmo Dallari em seu discurso, que ressaltou que no Brasil só se cumprem as leis quando há conveniência. O positivismo do Código Penal só se aplica aos pobres. Isso fica evidente ao constatarmos a impunidade que paira sobre os 113 assassinatos dolosos de índios Kaiowás registrados no período de 2003 a 2007 pelo Conselho Indianista Missionário.


 


Simplificando a definição posta por Pierre Clastres, o que separa o etnocídio do genocídio é o grau de violência utilizado pelo Estado na eliminação de um povo. Nesse contexto, não há de se surpreender que muitos estudiosos, brasileiros e estrangeiros, considerem que o Estado brasileiro pratica nesse exato momento um crime de genocídio contra o povo Kaiowá, em nome do agronegócio.


 


Esse fato fica ainda mais evidente quando ouvimos relatos de juízes que dizem não haver mais índios no Mato Grosso do Sul, ou frente à decisão do governador André Puccinelli (PMDB) que, alheio ao estado de mais absoluta miséria existente nas superlotadas reservas Kaiowá, suspendeu a distribuição de cestas básicas às mesmas com o claro intuito de minar sua luta pela retomada de suas terras.


 


No começo do ano, exibiu-se na Sala dos Estudantes um filme sobre Nuremberg. Nele se mostrou como eram culpados também os aplicadores da lei, ao distorceram a mesma em nome dos deturpados valores vigentes, sem considerar a gravidade do genocídio realizado pelo Estado nazista. Nesse contexto, penso: se futuro houver, como seremos julgados?
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Nota da ABA sobre a situação da Terra indígena Raposa do Sol

Se manifestou hoje a Associação Brasileira de Antropologia em nota pública a respeito da situação da terra indígena Raposa do Sol – reserva demarcada e homologada em Roraima, a região da "Raposa Serra do Sol" tem assumido a capa dos jornais de grande circulação do país devido aos conflitos entre os indígenas e os produtores de arroz locais, que se recusam a abandonar as terras mesmo sob ordem judicial.

Ajuizada no STF a medida cautelar nº 2009, os agricultores não-índios obtiveram liminar suspensiva da ordem que a autorizava a Polícia Federal de retirá-los da área, que vinha do reconhecimento da legitimidade do processo dermacatório pela corte do Supremo pelo julgado do MS 25.843.

A demarcação da Reserva Raposa do Sol é caso paradigmático na história do Direito Indigenista: de seus acórdãos decorre a própria definição jurídica de terra indígena como um continuum indispensável ao desenvolvimento da vida das comunidades – pelo que indica a liminar concedida pela corte, é justamente esse entedimento das reservas enquanto contínuas que está em questão, em oposição ao interesse da produção econômica dos arrozais.

O processo encontra-se parado, em vias de. Conforme prometeu o Ministro Gilmar Mendes, presidente da corte, a decisão deve ir a plenário ainda este semestre.

Segue abaixo trecho transcrito da nota da ABA (clique aqui para lê-la na íntegra):

 

Repudiamos a morosidade na retirada dos ocupantes não índios, as concessões políticas feitas a um número de seis indivíduos cujos interesses políticos configuram o que muitos chamam de "estado de Roraima", na verdade um estado indígena cuja verdadeira riqueza jaz nas mãos desses 18.000 mil indivíduos desses povos, cidadãos brasileiros como todos nós. Com base na experiência de nossos associados vimos destacar que não apenas os povos indígenas têm sido os mantenedores das fronteiras do Brasil ao longo do período colonial, imperial e republicano, muito antes dos ditos habitantes não indígenas de Roraima e de boa parte da Amazônia terem lá chegado. Tais procedimentos, num pseudo-nacionalismo emanado de vozes militares e civis manifestamente ignorantes do verdadeiro país em que vivemos, são sintoma das imensas desigualdades que marcam, lamentavelmente o Brasil.

 

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1ª reunião


O Terra Tomada solenemente convida a TODOS os interessados em Direito Indígena, em Direito Indigenista, os só curiosos e os nem isso, sem discriminação de raça, cor, credo e orientação política, a participarem da sua 1ª reunião, marcada à quinta-feira, dia 24 de abril, 17hs, no vão da escada direita no hall dos elevadores da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
 
Na pauta estão a ser discutidas a formação, a organicidade e a atuação do grupo enquanto projeto de extensão universitária (venha descobrir o que é isso!) junto às comunidades indígenas, entre os Guarani Mbya, bem como os planos pra organização de um possível evento: um debate sobre a continuidade do território das reservas, em processo de revisão pelo STF no caso Raposa do Sol.
 
É a 1ª reunião, e serve pra assentar: toda e qualquer mão é bem vinda.
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CARTA-ABERTA

  Amazonas: sozinha contra o choque

 
"São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

 

Constituição de 1988, da República Federativa do Brasil, art. 231, caput.
 
 


Se a imagem é emblemática, a frase do capitão da Polícia Militar o é mais ainda: “Não posso garantir que quem usa cocar na cabeça e se pinta de índio seja realmente indígena” – e quem o pode?

O jornal O Estado de São Paulo trouxe estampada na capa a foto do despejo de 200 sateré-mawé, com a manchete “PM retira índios sem-teto de área invadida em Manaus”. Chamados de invasores, a etnia teve sua identidade indígena questionada e seu clamor por reconhecimento das terras ancestrais desacreditado.

Seria desnecessário enfatizar a distância entre os ditames estabelecidos por nossa Lei Maior e a atuação prática do Estado. Seria desnecessário denunciar a Polícia Militar utilizada na defesa de um dito direito particular de propriedade oposto aos direitos de uma gente, de uma aldeia, de uma nação, em operação baseada em liminar da Justiça Estadual – flagrante ilegalidade, quem se importa?

Não a mídia. Não a Justiça Estadual: a ilegalidade não é caso isolado, temos 76 assassinatos de indígenas registrados em 2007, sendo 48 apenas no estado do Mato Grosso do Sul, onde a resistência da etnia Guarani Kaiowá pela retomada das terras ancestrais passou pela pena de mais de 300 suicídios coletivos.

Então nós nos reunimos no Terra Tomada para nos perguntar quem são, de fato, os invasores. Nós nos reunimos no Terra Tomada sob a lição dos irmãos Villas-Boas, para entender que “os civilizados são uma sociedade sofrida”, porque vemos no trato das sociedades indígenas a necessidade de questionar a soberba presunção do Estado de Direito, da Lei.

É que entendemos a Lei não só como instrumento, mas como a representação de uma sociedade em um mundo que precisa ser reinventado. E nós nos reunimos no Terra Tomada para encontrar, atuando junto às comunidades indígenas, uma forma de reinventá-lo no Direito.

TERRA TOMADA
Grupo de Estudos de Direito Indigenista
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